Nova MP sobre tributação de off-shores e trusts: primeiras impressões

Nova MP sobre tributação de off-shores e trusts: primeiras impressões

Luiz Flávio Paína Resende Alves
Consultor tributário internacional
lresende@saintjosephgroup.com

A forma como veio à luz a nova MP 1.171 é, no mínimo, curiosa. A matéria, que antes havia sido objeto do PL 3.489/2021, agora veio sem avisos. Publicada no dia 30 de abril (domingo) e previamente ao feriado nacional de 1° de maio (Dia do Trabalhador), chegou para assustar os investidores que possuem, principalmente, ativos financeiros no exterior.

Outro fato curioso é que o instrumento demonstra claramente a intenção de repor a potencial perda de arrecadação gerada com a atualização da tabela de imposto de renda, levada a efeito no mesmo instrumento legislativo. Talvez tal intenção seja mesmo de caráter político como tentativa de atribuir o rótulo “Robin Hood” à medida provisória e sensibilizar o Congresso no momento em que a MP for efetivamente votada. A bem da verdade, a atualização da tabela se deu por ínfimos duzentos e oito reais na primeira faixa de isenção, nada mais.

Isto posto, cabe ainda lembrar que a medida provisória tem força de lei por 60 dias, podendo ser prorrogada por igual período, e deve ser aprovada por votação a ser concluída nas duas Casas do Congresso Nacional. Durante este trâmite, o texto pode sofrer alterações, ser aprovado em parte ou até mesmo não aprovado. Assim, por se tratar de um tema polêmico, certamente o texto sofrerá inúmeras alterações até ser aprovado (ou não) pelo Congresso Nacional.

De toda forma, a tributação de empresas off-shore já era um tema que, cedo ou tarde, seria (ou será) tributado no Brasil, já que é uma tendência tributária mundial. Poucos países ainda não tributam renda passiva de empresas controladas no exterior, um deles era o Brasil.

Diante disso, ao analisar o texto da MP, há alguns pontos interessantes que devem ser ressaltados. Primeiramente, a alíquota atribuída é aquela vigente no Brasil para tributação de ganho de capital, cujo teto é de 22,5%. Neste particular, ressalta-se que o limite para alcance do teto é extremamente baixo (R$ 50 mil ao ano), mas é cinco por cento inferior à alíquota até então vigente para distribuição dos dividendos de empresas no exterior (27,5%).

Não obstante, o texto proporcionou uma boa oportunidade para aqueles que detém lucro acumulado nas off-shores de anos anteriores. Para estes casos, há a possibilidade de atualização do capital investido sob alíquota de 10%, tendo como data-base o dia 31 de dezembro de 2022. É, sem dúvida, uma boa oportunidade para trazer todo o lucro acumulado a valor presente, mediante tributação em alíquota extremamente favorável.

A tributação dos ganhos a 10% estendeu-se também para qualquer pessoa que detenha bens no exterior, sem pessoa jurídica interposta, incluindo aplicações financeiras, bens imóveis, veículos, aeronaves e participações. Neste caso, só poderá ser objeto de atualização de custo os bens e direitos devidamente declarados na DIRPF de 2022 (entregues até 31 de maio de 2023).

Para aqueles que não atualizarem o custo dos investimentos ou obtiverem ganhos através de Off- shores ou Trusts, a partir de 1° de janeiro de 2024, haverá uma forma específica e separada na DIRPF (Declaração de Imposto de Renda Pessoa Física) para se declarar rendimentos e capital aplicado no exterior através dos mencionados veículos.

A apuração se dará no último dia útil de cada exercício, devendo constar os lucros individualizados no balanço da controlada. O sócio brasileiro deverá então reconhecer a sua parcela de lucros na DAA (Declaração de Ajuste Anual), converter a moeda estrangeira conforme cotação do Banco Central para a data, recolher o imposto e aumentar o custo de aquisição na ficha de bens e direitos. Há disposição específica para apropriação proporcional do imposto de renda pago pela empresa controlada e suas investidas até o limite do imposto devido no Brasil.

Após o reconhecimento e tributação dos lucros na controlada, o sócio brasileiro adicionará a parcela tributada na ficha de bens e direitos, aumentando o custo de aquisição, de modo que, em caso de eventual distribuição futura, a parcela efetivamente distribuída será reduzida do custo de aquisição de forma similar ao que se faz atualmente com a redução de capital, evidentemente sem nova tributação.

Para definição de entidades controladas no exterior, a Medida Provisória trouxe conceitos já conhecidos no cenário internacional: participação em voto ou capital superior a cinquenta por cento, de forma direta, indireta, isoladamente ou em conjunto com pessoas vinculadas. Conceituou-se pessoas vinculadas como cônjuges, companheiros ou parentes até terceiro grau, diretamente ou por outra pessoa jurídica interposta.

A Medida Provisória excetuou a necessidade de tributação de lucros de empresas em países que tributam renda em montante igual ou superior a 20% ou que não concedam benefícios a não- residentes. Também excetuou-se empresas ativas, assim consideradas como aquelas que tem até 20% da receita bruta composto por rendimentos de operação passiva (royalties, juros, dividendos, alugueis, etc.).

Por fim e não menos importante, a Medida Provisória separou um capítulo à parte para tratar dos Trusts no exterior. Como de costume, os poucos atos legislativos brasileiros que estabelecem normativas sobre Trusts andam mal na interpretação dos conceitos, e desta vez não foi diferente.

A normativa estabelece que os bens e direitos permanecem sob a titularidade do instituidor (Settlor) após a instituição do Trust, e somente passa à titularidade do beneficiário após a distribuição ou falecimento do instituidor. Não há, portanto, diferenciação conceitual sobre Trust Revogável e Irrevogável.

O ponto alto de contradição na Medida Provisória encontra-se na atribuição de que a natureza jurídica da distribuição pelo Trust ao beneficiário teria caráter de doação (se ocorrida durante a vida do Settlor) ou causa mortis (se decorrente do falecimento do instituidor). Ora, se a transferência se dá por doação, estar-se-ia então tratando de potencial hipótese de incidência do ITCMD (imposto sobre transmissão causa mortis e doação) e não imposto de renda. Há, portanto, um claro conflito normativo interno entre o Art. 7°, §1°, I e o §3° do mesmo artigo.

E mais: de acordo com o texto normativo, quem deve declarar e tributar os rendimentos do Trust é o Settlor. Na ausência do Settlor e/ou em caso de distribuição, quem deve declarar/tributar é o beneficiário. Contudo, a MP estabelece como beneficiário “uma ou mais pessoas indicadas pelo instituidor” o que pode ser interpretado como pessoa física ou jurídica, mas é literal ao mencionar que o instituidor é necessariamente “pessoa física”, não abarcando eventuais Trusts instituídos por pessoa jurídica. Estes e outros aspectos abrem portas para eventual planejamento tributário visando mitigar os efeitos fiscais da Medida Provisória.

Diante disso, colocando ao lado as discussões e questionamentos que podem decorrer da interpretação do texto e o seu devido enquadramento no sistema constitucional brasileiro, a nova normativa sobre tributação de off-shores e trusts já vinha sendo anunciada desde o primeiro texto da reforma tributária em 2021 e agora enfrentará críticas e ajustes do Congresso Nacional. Se aprovada, seguirá ao Presidente para eventual veto. Se rejeitada, perde seus efeitos, mas as relações jurídicas ocorridas até então deverão ser objeto de decreto legislativo.