A quebra de um paradigma no cenário tributário internacional

A quebra de um paradigma no cenário tributário internacional

João Pedro Volz

O que define um paradigma? Paradigma pode ser coloquialmente definido como um conjunto de padrões ou regras pelas quais, em regra, podemos tentar determinar ou interpretar o curso futuro dos eventos. Eventual mudança de paradigma enseja em mudança substancial nesses conceitos ou padrões. Hoje, pode-se afirmar que o cenário tributário internacional encontra-se no centro de uma mudança de paradigma.

Parte maciça dos advogados, contadores e consultores internacionais de escol tendem a reconhecer que os Estados Unidos da América são o maior, mais economicamente estável e mais seguro paraíso fiscal do mundo. Isto porque os EUA oferecem aos investidores estrangeiros amplas oportunidades de se investir por meio de entidades sem nível fiscal próprio, que proporcionavam aos investidores estrangeiros a ausência de obrigações fiscais assessórias, amplas isenções tributárias e privacidade quase absoluta, isto sem considerar a estabilidade econômica e cambial.

Este ambiente fértil e atrativo ao capitalismo mundial coaduna-se sensato e inteligente tornando os EUA a capital bancária do mundo, sobretudo após o FATCA (Foreign Account Tax Compliance Act), que forçou contribuintes fiscais americanos a compartilhar informações bancárias estrangeiras com os EUA, sob pena de imposição de multas altíssimas.

Por outra via, os EUA evitaram propositadamente aderir aos acordos de troca de informações patrocinados pela OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e às práticas do CRS (Common Reporting Standard). Isso tudo deixou claro que havia dois sistemas paralelos, o sistema da OCDE (padrão mundial) e os Estados Unidos.

O primeiro sinal para a quebra de paradigma veio de um regulamento editado em 2017 exigindo que empresas do tipo LLC (Limited Liability Company) de membros únicos com proprietários estrangeiros registrassem propriedade e controle substanciais, além de eventuais alterações acionárias. Tal ato não causou grande agitação por parte dos investidores estrangeiros, posto que as informações fornecidas às autoridades fiscais geralmente estariam sob amplas proteções de privacidade.

Contudo, o grande choque de paradigma veio à tona com a Lei de Transparência Corporativa, ou o CTA (Corporate Transparency Act). A lei em comento foi alvo de muita polêmica no congresso americano, que, ao final, derrubou o veto do então presidente Donald Trump e deu à FinCen (Financial Crimes Enforcement Network) autoridade para criar banco de dados de empresas e seus proprietários. As centenas de páginas das regulamentações finais, publicadas em 30 de setembro de 2022, estabeleceram as razões gerais pelas quais essa regulamentação restou promulgada. Em síntese, a FinCen aponta que a facilitação dos meios de se obter informações de grupos criminosos seria o objetivo alvo da lei, já que as proteções constitucionalmente concedidas ao devido processo legal impõem um ônus excessivo às investigações.

Não obstante, a FinCen já sinaliza favoravelmente aos esforços da Alemanha e França na criação de cadastros de empresas, abrindo caminho para que essas informações sejam trocadas caso se assine um acordo de intercâmbio com outro país. Embora a FinCen garanta que isso não representará um grande ônus para o empresário, a realidade é que a adequação implicará em despesas com consultores e assessores para se adequarem às novas obrigações assessórias, já que as multas por descumprimento podem passar de dez mil dólares.

Trocando em miúdos, o resultado do CTA é que toda entidade jurídica aberta nos EUA precisará se registrar, salvo poucas exceções. Tal registro será obrigatório a partir de 2021 e aplicar-se-á a todas as existentes e novas entidades terão 30 dias para se registrar, a partir do momento de sua constituição. O registro exige que as entidades informem seus representantes locais cadastrados, endereços e números fiscais. Indivíduos que direta ou indiretamente detém 25% ou mais dos direitos de voto ou capital sobre uma empresa também precisarão ser informados e eventual controle substancial (acima de 50%) deverá ser informado especificamente. Aqueles que possuem imóveis nos EUA por empresas “Off-shore” também terão que se registrar. Haverá a necessidade de encaminhamento do passaporte digitalizado, além de número de identificação e endereço no país de origem. O conceito de propriedade indireta inclui também indivíduos que estão investindo nos EUA por meio de uma nota promissória conversível em participações societárias, modelo muito comum para estruturas de “venture capital”. Estruturas jurídicas na forma de Trust estão, em regra, excluídas das obrigações informativas, mas os beneficiários podem estar sujeitos a registro caso tenham direitos de demandar distribuições do Trust e sejam considerados beneficiários substanciais. 

Por ora, enquanto a obrigatoriedade da lei ainda não é levada a efeito, aquele investidor que atua legalmente mas deseja ter privacidade deve consultar um especialista para possível restruturação jurídica dos investimentos.