A Offshore como Veículo Estratégico de Investimento: proteção patrimonial, eficiência tributária e organização sucessória

A Offshore como Veículo Estratégico de Investimento: proteção patrimonial, eficiência tributária e organização sucessória

Brunno Novaes Texeira
Tomás Lima de Carvalho

A realidade dinâmica da atividade empresarial, aliada à necessidade de crescimento e afirmação no mercado, pressupõe que as organizações empresariais, a todo momento, procurem alternativas viáveis para desenvolver os seus ativos e torná-los atrativos aos investidores, na busca pela eficiência e maximização de resultados. 

Com efeito, o mercado de capitais é composto por organizações empresariais que precisam captar recursos mediante a oferta pública de títulos de crédito e valores mobiliários, e dos que têm recursos a oferecer, em busca de segurança, rentabilidade e liquidez. Trata-se de um conjunto de operações de médio e/ou longo prazo, ou mesmo de prazo indeterminado, destinando-se, principalmente, ao financiamento de capital (empresas) e segurança e aumento do patrimônio (investidores).

A principal característica do mercado de capitais é a captação da poupança popular em um investimento de risco: ao investidor, aplicador de recursos em mercado de capitais, em consequência da aquisição de valores mobiliários, não é garantida a obtenção de lucros, mas, ao contrário, além da possibilidade de não alcançar o retorno da quantia investida, o investidor adquirente de valores mobiliários ainda pode vir a perder tudo o que aplicou. 

Assim, é que os investidores devem buscar informações e adotar estratégias para melhor aplicação dos seus recursos, em busca de segurança, eficiência e liquidez. Com efeito, reconhecer a importância da inovação como forma de abertura de horizontes de possibilidades, importa na verificação de alguns aspectos dinâmicos, relacionados à criação de novas vertentes, de novas estratégias, de mecanismos para solucionar ou produzir novos caminhos e trazer soluções diferenciadas e adequadas aos anseios que lhes são propostos.

Uma dessas estratégias inovadoras é a utilização de estruturas offshore como veículo de investimento, permitindo-se o acesso a mercados – e ativos – externos, a proteção contra o “risco-Brasil” e a volatilidade do nosso mercado, a proteção do capital no exterior, bem como a eficiência tributária e sucessória dos investimentos.

Todavia, a utilização estratégica das empresas offshore e o aproveitamento de seus benefícios, em detrimento deste veículo, encontram óbice nas regras do Direito, mormente na necessidade de respaldo jurídico na incorporação societária, remessa de recursos, declarações fiscais e respeito às regras de transparência internacional. Assim, é que o desconhecimento das normas próprias e a ausência de uma assessoria de qualidade aos investidores pode ser vista como um grande entrave à utilização de offshore como instrumento estratégico para investimentos.

Diante desta situação, o escopo do presente artigo consiste em uma criteriosa análise das Offshores, mormente o delineamento do instituto, os principais pontos de atenção e as suas vantagens estratégicas.

A “sociedade offshore”, também conhecida como IBC (International Bussiness Company) designa a sociedade constituída em jurisdição distinta da de seus sócios (residência fiscal) e/ou que opera fora dos limites territoriais onde está localizada. Com efeito, empresa offshore não tem forma jurídica determinada – p.ex. sociedade por ações –, podendo se revestir da forma e tipo societário que se amoldem às necessidades dos sócios, em conformidade com a legislação societária da jurisdição onde estiver incorporada.

Tal conceituação não indica, obrigatoriamente, que sejam empresas constituídas ilicitamente ou para fins ilícitos. Até porque, a prática de atos ilícitos não depende necessariamente da constituição de uma empresa localizada em uma jurisdição distinta dotada de benefícios fiscais, mas sim, apenas que qualquer pessoa – física ou jurídica – pratique atos contrários à lei.

A bem da verdade, a ideia de ilicitude relacionada às Offshores diz respeito à intenção de seus sócios ou beneficiários – a ilicitude deriva do agente, e não do instituto em si –, visando a constituição em paraísos fiscais com a finalidade da prática de fraude, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio, obtenção de renda originária de atividades ilícitas, evasão fiscal ou qualquer tipo de ilicitude.

Por outro lado, qualquer pessoa tem o direito, desde que agindo dentro dos limites da lei, de conduzir as suas atividades da maneira que melhor lhe aprouver, inclusive de modo a alcançar redução da carga tributária, diversificação de mercados e proteção e segurança patrimonial. 

E é justamente essa a ideia de legalidade atribuída às Offshores: melhores alternativas de ganho sobre as operações mercantis, eficiência em planejamento tributário ou fluxo de pagamentos e recebimentos em moeda estrangeira, propiciando diversos benefícios aos seus sócios, tais como privacidade financeira, acesso a investimentos no exterior, responsabilidade civil limitada, estrutura tributária eficiente, preservação do patrimônio dos sócios e eficiência sucessória. Ademais, a incorporação de sociedade Offshore permite a abertura de contas bancárias e deter propriedade de ativos ou realizar investimentos no exterior.

Aos olhos da legislação brasileira, se trata de instituto lícito e regulamentado. A Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil n. 1.037, de 04 de junho de 2010, considera paraísos fiscais os países ou dependências que não tributam a renda ou que a tributam à alíquota inferior a 20% (vinte por cento) ou, ainda, cuja legislação interna não permita acesso a informações relativas à composição societária de pessoas jurídicas ou à sua titularidade. Já os regimes fiscais privilegiados, são aqueles que concedem pelo menos uma das vantagens estabelecidas pela legislação brasileira, como por exemplo tributar a renda à alíquota máxima de 20% e conceder vantagem fiscal a um não residente sem exigir a realização de atividade econômica substantiva.

É obrigatório perante a Receita Federal do Brasil, na Declaração de Imposto de Renda Pessoa Física, a declaração quanto à existência da empresa offshore, e eventuais remessas financeiras sempre que feitas com destino ou com origem do Brasil, ou de distribuição de lucros ao acionista brasileiro. É ainda imperioso declarar a existência da offshore para o Banco Central, quando a empresa tiver patrimônio líquido equivalente a USD$ 1.000.000,00 (um milhão de dólares), conforme art. 2º da Resolução n. 3.854/2010 do Banco Central do Brasil.

Portanto, tratam-se as Offshores de um instrumento lícito desde que o patrimônio investido tenha origem lícita e a titularidade da participação no capital da offshore e os valores nela aportados sejam regularmente declarados à Receita Federal do Brasil e ao Banco Central do Brasil.

Os países da América Central, atualmente, se destacam entre as principais jurisdições para se ter uma empresa offshore, em especial, British Virgin Islands (BVI), Belize, St Kitts & Nevis, Bahamas e Panamá. Cada uma dessas jurisdições possui especificidades que deverão ser levadas em consideração e indicadas de acordo com a necessidade do interessado.

Recentemente, após alguns vazamentos de informações (ex. Panama Papers e Pandora Leaks) o modelo empresarial de Limited Liability Company (LLC) nos Estados Unidos da América (EUA) emergiu como uma opção para quem busca sigilo e maior confidencialidade em investimentos no exterior. 

Os EUA não são signatários de nenhum tratado mútuo de troca de informações, ou seja, não possuem a obrigação de enviar informações para outro país solicitante caso haja requerimento para tanto. Importante ressaltar, entretanto, que cada Estado dos EUA possui a sua própria legislação, variando o nível de acesso à informação, regras de tributação a nível estadual e custos constituição e manutenção dessas LLC’s. Dentre as melhores jurisdições nos EUA, destacam-se, atualmente, South Dakota, Wyoming, Delaware e Florida. 

Conforme já mencionado, a utilização de empresa offshore é uma forma eficaz de fazer investimentos no exterior, pois possui uma série de vantagens de diversas ordens, dentre as quais se destacam:

A - Diferimento Tributário:

A utilização da Offshore para realização de investimentos proporciona o diferimento no pagamento do Imposto de Renda brasileiro sobre os rendimentos obtidos no exterior. Assim, a contabilidade da Offshore registra os rendimentos obtidos regularmente (regime de competência), mas o imposto só é devido sobre a parte dos lucros que o investidor venha a efetivamente sacar (regime de Caixa). 

O diferimento tributário significa que haverá tributação dos lucros provenientes dos lucros da empresa, mas tal tributação somente ocorrerá quando (e se) houver distribuição aos sócios. Caso os sócios decidam manter reinvestir os lucros, não haverá tributação. 

Isso não significa evasão fiscal ou qualquer tipo de conduta ilícita, mas apenas e tão somente difere o momento em que o tributo será pago. 

Em contraposição, caso o investimento fosse feito na pessoa física – e não por meio de Offshore – tal tributação ocorreria compulsoriamente sobre qualquer lucro, e o recolhimento do imposto feito através de carnê-leão. 

As hipóteses de rendimento e tributação dos sócios brasileiros, no Brasil, em relação às operações da Offshore, são:

  • Distribuição de Lucros: recolhimento do Imposto de Renda sobre a Pessoa Física, à alíquota progressiva de 27,5% 
  • Ganho de capital na alienação do investimento: além de eventual tributação no país de origem haverá o pagamento reflexo no Brasil.

B - Ausência de Burocracia Sucessória: o Joint Tenancy with Rights of Survivorship (“JTWRS”):

O JTWRS refere-se a uma estrutura legal de propriedade em condomínio, envolvendo duas ou mais partes para qualquer tipo de ativo (p.ex. ações de sociedade empresária). Cada proprietário em Joint Tenancy tem um direito igual ao dado ativo, ou seja, consideram-se todos os proprietários em Joint Tenancy como cotitulares de um mesmo ativo, em condomínio.

Por ocasião dos “rights of survivorship”, os proprietários em Joint Tenancy que sobreviverem ao proprietário que falecer são automaticamente considerados proprietários do bem.  

A JTWRS, portanto, se traduz no exercício do direito de propriedade pelos “proprietários conjuntos”, de forma indivisível, sobre o bem considerado como um todo. Enquanto vivos, os proprietários conjuntos são titulares do mesmo direito de propriedade de forma indivisível (contitularidade). Por ocasião da morte de um, o sobrevivente passa a ser titular desse direito de propriedade isoladamente. Assim sendo, nada resta para ser transmitido, herdado ou fracionado por terceiros.

Tratando-se de JTWRS instituída sobre participações offshore em jurisdição de direito anglo-saxão, a lei aplicável, no Brasil, para a compreensão do instituto, deve ser a própria lei da jurisdição offshore (art. 8º, caput, da LINDB). Assim, a par da discussão sobre eventual caracterização de doação, bens situados no exterior escapam ao processo de inventário e partilha no Brasil, devendo ser respeitada a regra sucessória do último domicílio do falecido; ou, no caso, a regra societária da aplicação da cláusula de JTWRS.

Desta feita, o Joint Tenancy with Rights of Survivorship pode se mostrar, de fato, uma ferramenta útil e eficiente para se afastar a abertura de processo sucessório no exterior, assim como o pagamento de imposto sobre a sucessão no exterior. Por outro lado, assegura a “transmissão” do ativo ao “proprietário em Joint Tenancy” olvidando-se, ainda que em regra, as normas de transmissão da herança a herdeiros instituídos em Lei.

Ademais, também a par da discussão sobre eventual caracterização de doação, nos casos em que o proprietário em Joint Tenancy não realizou qualquer contribuição financeira em relação ao ativo, este sequer deve apresentá-lo em sua declaração anual de bens e direitos no Brasil. Apenas, por ocasião da morte do coproprietário, é que o referido ativo passa a integrar o seu rol de bens, por ocasião da “sucessão automática” oriunda da cláusula de JTWRS.

C - Afastamento do Imposto sobre Herança:

Além dos benefícios já citados, outro fator que se destaca é a não incidência de imposto sobre herança na jurisdição Offshore sediada em paraísos fiscais ou jurisdições dotadas de vantagem tributária.

Em se tratando de empresa offshore sediada em jurisdição com previsão de Joint Tenancy with Rights of Survivorship, o falecimento de um dos cotitulares não implica na ocorrência de evento sucessório, uma vez que o cotitular sobrevivente permanece na propriedade do ativo. 

Mesmo que os investimentos de uma Offshore sejam realizados nos Estados Unidos da América (onde, sabe-se, o imposto sobre a herança para “não-residentes” é de 40%, quando o patrimônio supera USD 60.000,00), ainda assim, não haverá a tributação sobre a herança, uma vez que o titular do investimento nos EUA é a pessoa jurídica (Offshore), e não a pessoa física do titular das ações da Offshore.

D - Proteção Patrimonial e Privacidade:

Diante da constituição de uma sociedade offshore para deter a propriedade de ativos e realizar a gestão destes, em detrimento da pessoa física, infere-se que na Declaração Anual de Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), apenas a titularidade da participação na Offshore deve ser objeto de declaração à Receita Federal.

Dessa maneira, os sócios da Offshore não precisam apresentar como seu um ativo ou uma aplicação financeira detido ou realizado pela pessoa jurídica (Offshore). Com efeito, tais bens ou direitos não são levados à declaração no IRPF, ensejando maior privacidade e sigilo sobre a propriedade destes.

Ademais, como a titularidade dos bens e direitos são conferidas à pessoa jurídica, sediada no exterior; e inexiste qualquer informação sobre propriedade desses ativos no IRPF dos sócios da Offshore; infere-se uma maior proteção patrimonial em relação a tais bens e direitos.

Acerca das obrigações de uma sociedade offshore, a grande maioria das jurisdições internacionais não exigem declaração de imposto de renda, ou mesmo registros contábeis das empresas ali sediadas.

Não obstante, recomenda-se sempre aos residentes fiscais no Brasil manter a contabilidade da offshore dentro do padrão IFRS (padrão contábil internacional), para o caso de haver eventual exigência de apresentação do Balanço Patrimonial, seja por conta de uma transação, fiscalizações ou até mesmo por questões relacionadas a compliance. Além disso, o balanço patrimonial habilita o acionista residente no Brasil a demonstrar, de forma correta, a sua posição no capital da empresa para fins de IRPF no Brasil, bem como apresentar ao Banco Central os dados solicitados na CBE, tais como o valor total do patrimônio líquido, o total de ativos e passivos, as reservas de lucros, o resultado do exercício, dentre outras informações necessárias.

Cabe lembrar que a apresentação da CBE junto ao Banco Central não significa a necessidade de recolher qualquer imposto, haja vista tratar-se de uma declaração informativa para fins estatísticos. 

Por fim, importa esclarecer que alguns países (como BVI) exigem anualmente o preenchimento e envio de um formulário de substância econômica. Nesse formulário deverá ser informado que a empresa não possui atividade econômica ativa, ou seja, não há exploração direta de atividade pela empresa (p.ex. aluguel de imóvel). Investimentos, contas bancárias e afins são considerados atividades passivas, não se enquadrando no conceito de substância econômica. Por mais que ainda não existam medidas tomadas efetivamente, as jurisdições que exigem esse formulário de substância econômica visam taxar essas empresas no futuro. 

Além do formulário mencionado, é exigido por praticamente todas as “jurisdições offshore” uma taxa de manutenção anual para ser paga ao governo local. Isso ocorre pois como não há recolhimento de tributos por parte do Poder Público, tal modalidade se adequa como forma de algum tipo de recebimento pelo ente estatal. Ressalta-se que tal taxa será devida somente no ano subsequente ao da criação da empresa.

Desta feita, embora a existência de custos de incorporação, manutenção e contabilidade, observa-se que a empresa offshore é instrumento lícito e viável, e quando bem utilizada e incorporada na jurisdição pertinente, constitui interessante estratégia para investimento, com proteção patrimonial, benefício tributário e eficiência sucessória.